Por que grandes empresas querem mais mulheres liderando na tecnologia

09/03/2021

Quase 40% das vagas em negócios de tecnologia no Brasil já são ocupadas por mulheres. Grandes empresas como Google e Microsoft querem agora ampliar a presença delas em cargos de liderança

A desenvolvedora Dynnah Max Silva e a analista de dados Simone Piwowarczyk Araujo: uma nova geração de mulheres na tecnologia (Montagem/Exame/Divulgação)

 

Nascida em 1815, a matemática inglesa Ada Lovelace foi a primeira programadora da história. Nos anos 1950, a cientista americana Margaret Hamilton foi uma das primeiras pessoas usar o termo “engenharia de software” para nomear a área de estudo e escreveu o código que permitiu que o homem pousasse na Lua. Em 1999, Marissa Mayer se tornou a primeira engenheira a ser contratada pelo Google.

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De uns anos para cá, tornaram-se comuns as reportagens sobre o aumento da presença de mulheres em empresas de tecnologia. É, de fato, uma boa notícia. Ao mesmo tempo, para muitas lideranças femininas em empresas do setor, soa estranha essa narrativa. Afinal, o esforço de mulheres pioneiras como Lovelace vêm construindo tecnologia há mais de 200 anos – e, de lá para cá, esse universo segue predominantemente masculino.

No Brasil, o setor de tecnologia da informação e comunicação possui 37% de mulheres em sua mão de obra, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), um avanço importante em relação ao comum até poucos, quando a presença feminina no setor mal passava de 10%.

 

As grandes querem dar o exemplo

O desafio, agora, é expandir a participação das mulheres em cargos de liderança nas empresas de tecnologia. Só 35% da mão de obra feminina no setor ocupa essa fatia de cargos e salários mais altos. Em posições cobiçadas pelo mercado, como a de programadores, elas seguem muito escassas – só 14% dos programadores do Brasil são mulheres, diz a agência de recrutamento e seleção Catho. A grande maioria das mulheres estão em posições menos remuneradas, como atendentes de help desk.

As grandes empresas de tecnologia querem dar o exemplo de que é possível mudar essa realidade. No Google, quase 27% das funcionárias mulheres exercem algum cargo de liderança, de acordo com dados obtidos com exclusividade por EXAME. No Brasil, a representatividade é um pouco maior – elas já representam um terço da liderança da gigante de tecnologia por aqui. E, em 2020, o número de posições ocupadas por candidatas mulheres cresceu 25%.

 

O avanço foi possível por causa da busca intencional por mulheres na hora de contratar novas lideranças, diz Flavia Garcia, gerente de diversidade do Google para América Latina e Canadá, para quem programas dedicados a promover diversidade nas empresas são um dos principais fatores para avançar com o tema nas empresas.

“A nossa missão é representar os usuários dentro da força de trabalho do Google. Acompanhamos as contratações por gênero e temos a aspiração de chegar a números que representem os talentos disponíveis no mercado. A questão é que temos um déficit histórico de representação feminina na área. As carreiras em ciência não têm 50% de mulheres graduadas, então também precisamos de ações nessa frente”, diz Flavia.

 

A gerente cita pontos cruciais na jornada da empresa: ter toda a liderança engajada no tema, definir métricas claras para acompanhar a efetividade de ações, além de preparar os recrutadores para lidar com vieses inconscientes ao escolher candidatos para uma vaga – seja ela de liderança ou não.

“Seria muito mais rápido preencher uma vaga se só olharmos para homens brancos e engenheiros. Então, todos os elos da cadeia de contratação precisam se sentir responsáveis por olhar para a diversidade e aumentar a presença de grupos sub-representados”, diz.

 

(Patricia Lima/Exame)

Com metade dos cargos de liderança ocupados por mulheres, a Microsoft segue uma abordagem semelhante ao Google para ampliar a presença feminina no time. A regra por ali é clara: os recrutadores precisam garantir que ao menos uma mulher chegue à etapa final das vagas. Sem isso, o processo seletivo todo corre o risco de voltar à estaca zero.

Na gigante de tecnologia o debate sobre questões de gênero no ambiente corporativo remonta aos anos 1990, e veio na esteira de discussões internas para ampliar o quadro de funcionários negros. Na operação brasileira, as questões de diversidade vêm sendo debatidas com mais intensidade há pelo menos nove anos.

A vice-presidente da Microsoft do Brasil dedicada ao tema, Alessandra Karine, usa uma parábola para explicar a importância de mulheres exercerem cargos de liderança por ali: “Se convida para a festa, tem que chamar para dançar”, diz ela, para quem tão importante quanto a contratação de mão de obra feminina é a retenção de talentos. “Vejo a questão da mesma forma como a empresa vê os clientes: não vale a pena contratar uma [mulher] e perder duas.”

Para Alessandra, o primeiro passo para uma maior diversidade no topo já foi dado a medida que mulheres executivas estão passando o bastão para outras mulheres em empresas brasileiras. Como exemplo, ela cita trocas recentes na própria Microsoft (Tânia Cosentino assumiu a cadeira de Paula Bellizia no início de 2019) e na desenvolvedora de softwares SAP (Adriana Aroulho sucedeu Cristina Palmaka na metade do ano passado).

No Nubank, banco digital cofundado por Cristina Junqueira, a nova meta é se tornar a empresa de tecnologia mais igualitária. A empresa divulgou que quer metade dos cargos de liderança ocupados por mulheres em menos de cinco anos . Para isso, serão abertas 3.300 vagas apenas para as profissionais.

“Queremos ser a empresa mais igualitária do setor de tecnologia da América Latina, quem sabe do mundo todo. Temos um percentual alto de mulheres quando comparamos com outras empresas, mas queremos melhorar ainda mais. Traçamos essa meta para os próximos cinco anos e o nosso objetivo é alcançá-la antes”, afirma Cristina Junqueira.

Uma mulher puxa a outra pra cima

A vice-presidente da Microsoft do Brasil acredita muito que uma mulher pode ajudar e puxar as outras. “Sou apaixonada pelo tema da mentoria. Não somente na empresa, mas com mulheres de fora. Quando vou falar de carreira na escola dos meus filhos, os meninos se interessam mais, mas faço o pedido para conversar com uma turma de meninas também”, diz.

Para muitas mulheres que hoje estão em cargos de liderança em empresas de tecnologia no Brasil, ter boas mentorias é fundamental para crescer na carreira. Que o diga a engenheira Regina Chamma, que entrou há quase 14 anos no Google como especialista em produtos, virou diretora na área de vendas e hoje é principal liderança no Brasil para o marketplace de aplicativos Google Play.

Em medida a expansão foi ajudada pela presença de mulheres em cargos acima ao dela na empresa. “Quando comecei, minha primeira chefe foi mulher e a VP também era mulher”, diz Regina. “Apesar de termos evoluído muito, desde o início tive lideranças femininas e, ao longo da carreira, tive bons mentores e gestores”.

Por três anos, Regina também foi líder do comitê de mulheres da empresa. Ela vê que o cenário para a mulher mudou muito dentro e fora da empresa – mais que ainda há muito trabalho pela frente. Um ponto de melhoria é fazer mais conexões com pessoas em posições de liderança para pedir dicas e, de quebra, mostrar potencial.

“O homem costuma fazer esse trabalho. Como mulheres, podemos ter uma rede melhor de networking para momentos cruciais da carreira”, diz ela. “A gente fica um pouco sem graça, acha que está pedindo demais e que vai criar um mal-estar com a pessoa, importunar da maneira errada.”

As grandes da tecnologia vem investindo em programas para fomentar a troca de ideias entre mulheres interessadas em TI. Recentemente, a Microsoft passou a patrocinar o Edu for Change, que acelera a educação em TI, o Women Entrepreneurship, que investe em startups fundadas por mulheres, além de ter uma parceria com o WoMakersCode, uma comunidade global para promover o protagonismo feminino na área.

“É necessário que as jovens enxerguem que as profissões em TI são como qualquer outra profissão. Há um mito de que matemática é difícil e de que a área é masculina. Se a presidente é mulher, se temos cada vez mais mulheres, conseguimos mostrar que é possível para todas”, diz.

Barreiras a serem vencidas

“Eu não sabia que era uma área ‘masculina’. Na faculdade, foi o momento que percebi que era a única menina da sala. As piadas machistas eram uma realidade na área. Eu me silenciei muito e por um tempo pensei em desistir”, conta Dynnah Max Silva, de 26 anos, que se formou em 2020 em Sistemas da Internet pelo Instituto Federal da Paraíba e recém-contratada como desenvolvedora júnior no Luiza Labs, a área de inovação da varejista Magazine Luiza.

Foi a presença da primeira professora (e que se tornou sua orientadora do TCC) que mostrou um lado mais acolhedor da área e uma inspiração para seguir em frente. Assim, ela começou a buscar sua comunidade e percebeu sua experiência não era isolada. Dynnah se juntou grupos compostos só por mulheres, o Women Techmakers e o Pyladies.

Dentro do seu curso, ela viu seu papel de ser esse espelho para as novas alunas que chegavam. “Já passei da fase de ter vergonha. Eu sempre falo: já temos o não, vamos conquistar o sim”.

Quando ela viu a oportunidade para fazer o curso do Luiza Code, um programa do Magalu para formação exclusiva de mulheres, a jovem correu atrás do seu “sim”. No curso, o diferencial para ela foi ter um ambiente seguro, onde sabia que poderia perguntar tudo e não receberia uma piada de volta.

A analista de inteligência de mercado Simone Piwowarczyk Araujo tinha uma preocupação adicional quando decidiu fazer uma transição de carreira da comunicação para a tecnologia há dois anos: sua idade. Com 47 anos, ela conta que há um preconceito a mais para vencer por causa de sua idade. Mesmo numa área com escassez de mão de obra, ela foi chamada para apenas duas entrevistas de emprego antes de conseguir seu emprego atual.

Para vencer as barreiras do mercado de trabalho, Simone participou de eventos para mulheres como o WoMakersCode. “Eu aprendi com os eventos a vender toda a experiência que adquiri na outra carreira. Agora, faço o que gosto, que é escrever textos, só que agora é sobre dados e TI. Também participo de projetos e me aprimoro tecnicamente”, fala ela.

Além de garantir critérios claros para contratações de mais mulheres – e para promovê-las a cargos de liderança nas organizações –, também é necessário investir em planos de longo prazo para incentivar mais garotas a entrar nas chamadas carreiras STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática).

Instituições focadas nesse tipo de conteúdo têm observado o crescimento do interesse de mulheres em suas matrículas. Na paulistana Digital House e na paranaense Kenzie Academy as mulheres representam perto de 30% dos alunos de cursos de programação atualmente. A Vulpi, plataforma que conecta profissionais de TI a empresas, a base de desenvolvedoras quintuplicou em dois anos.

Fonte: https://exame.com

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