Mulheres indígenas se desdobram entre cuidados de saúde e gestão de informação para comunidades na pandemia Covid-19

08/09/2021

Classificados entre os grupos vulneráveis e prioritários, os povos indígenas têm desempenhado diferentes estratégias de proteção e cuidados de saúde ao longo da pandemia, superando distâncias geográficas, acesso a rede de saúde pública e obstáculos de informação em saúde

Um ano de meio após a emergência sanitária global, declarada pela Organização Mundial da Saúde em março de 2020, a pandemia Covid-19 acumula números grandiosos no Brasil. Mais de 20 milhões de contágios e mais de 580 mil óbitos são registrados até o início de setembro de 2021, conforme dados do Ministério da Saúde. Desde janeiro deste ano, quando se iniciou a vacinação no Brasil, mais de 127 milhões de pessoas receberam a primeira dose e 64 milhões tomaram a segunda dose ou dose única, de acordo com monitoramento do Ministério da Saúde.

Classificados entre os grupos vulneráveis e prioritários, os povos indígenas têm desempenhado diferentes estratégias de proteção e cuidados de saúde ao longo da pandemia, superando distâncias geográficas, acesso a rede de saúde pública e obstáculos de informação em saúde.

Para Ângela Kaxuyana, membro da coordenação executiva da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), “as mulheres indígenas têm papel fundamental não só no enfrentamento, mas na prevenção e no cuidado da Covid-19. Infelizmente, foram elas, as mulheres, que foram as mais atingidas. Porque são elas que acessam políticas públicas, vão à cidade e se expõe ao cuidar de vários assuntos da família, tendo que sair das aldeias ou estar à frente que colocam elas em risco. Elas têm sido peça importante no uso de medicinas tradicionais, de fortalecer com informações e manter as comunidades e famílias isoladas, levando a sério a situação. Perdemos muitas mulheres e lideranças para a Covid. Se não fosse as mulheres na linha de frente, cuidado e informação e da cura, porque têm tido este papel na medicina tradicional, teria sido uma situação bem pior na Amazônia e no Brail como um todo”.

Outra liderança do movimento de mulheres indígenas, Sônia Guajajara, auxiliar de Enfermagem e coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), salienta os diferentes papéis sociais e comunitários exercidos pelas mulheres. “Nós, mulheres indígenas, somos as cuidadoras permanentes. Somos nós quem cuidamos dos nossos anciões, crianças, alimentação e cuidados com aqueles que se contaminaram. Continuamos com as orientações, porque a pandemia não acabou”, diz. Ela enfatiza, ainda, o papel político das mulheres indígenas na busca por direitos dos povos indígenas em mobilizações políticas durante a pandemia. “ Estamos em Brasília sabendo do risco, que é perigoso. Mas a nossa casa, a nossa aldeia se tornou um lugar perigoso por conta dos ataques e das invasões”, completa.

Articulação pró-direitos – Mulheres indígenas de diferentes idades têm se mobilizado em cuidados de saúde e também em produzir informações de qualidade para enfrentamento de fake news, inverdades e negacionismo. Esta é a trajetória da comunicadora Narubia Werreira, do Tocantins, que tem se dedicado à produção de conteúdos nas redes sociais.

“A necessidade de levar as nossas resistências e causa para mais pessoas se intensificou depois da pandemia, porque eu palestrava muito e fazia mobilizações na base [nas aldeias e comunidades indígenas] e externas. Com a pandemia, a gente precisou trabalhar nas redes sociais, levar resistência pelas redes até por tantas mentiras e fake news. Eu me engajei na comunicação nesse período”, revela a jovem comunicadora indígena.

Para ela, fazer comunicação tem sido uma maneira de fortalecer o empoderamento político das comunidades indígenas e os laços entre os povos. “A gente acaba levando a comunicação para parentes e bases distantes, fazendo interligação dos povos. A gente acaba se conectando mesmo nessa distância e fazendo esse contraponto de informações que não correspondem ao que a gente quer e ao que é real, o que está acontecendo com a nossa realidade indígena. É um momento de muita alegria, troca e fortalecimento da nossa cultura se ver nessa comunicação. Não é o não-indígena falando da gente, mas o indígena falando de si. Traz inspiração até para outros sonharem com a comunicação e levar as informações para os parentes”, acrescenta Narubia Werreira.

Acolhimento em saúde – No Acampamento Terra Livre 2021 (ATL 2021), em Brasília, a nutricionista Giovana Mandulao e residente da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), do povo Wapichana, fez da dor pessoal pelo falecimento do pai por Covid-19 um motivo para seguir adiante nos cuidados coletivos, entre acolhimento e atendimento em saúde até informação de qualidade. Entre a coordenação de Saúde do ATL 2021 e o drama pessoal, ela encontrou forças para continuar o trabalho em favor da promoção da saúde dos povos indígenas.

“Eu perdi o meu pai nessa pandemia. Por conta de outros parentes não entenderem que era sério e tão grave a pandemia Covid-19. Eu, como profissional de saúde nem consegui ir lá cuidar dele. Lá na comunidade, as pessoas não acreditavam, era tanta fake news e mentiras, negacionismo. Meu pai foi contaminado por receber os parentes sem máscara. Foi bem difícil. Meu pai ficou 26 dias na UTI. Essa pandemia, mesmo que passe, nunca será a mesma coisa”, relata.

Como filha e profissional de saúde, Giovana questiona-se o que poderia ter sido diferente para poupar a vida do seu pai, cujo falecimento está em meio aos mais de 580 mil óbitos decorrentes da Covid-19 no Brasil desde março de 2020, quando do primeiro registro nacional. “Eu fiquei pensando depois. E se ele não recebesse ninguém em casa. Mas você sabe como é em uma aldeia? Ninguém tem restrição de nada. Foi em abril, maio, quando ele adoeceu. Meu pai era uma liderança reconhecida no estado de Roraima, era professor indígena. Ele era um militante pela educação escolar indígena. Todo mundo sentiu muito a perda dele. Desde os 18 anos, ele era professor. Meu pai foi mais uma vítima do descaso. O pior ano da minha vida foi o ano passado”, relembra.

Ao lembrar o início da pandemia Covid-19 no Brasil, a nutricionista recupera sentimentos de profissionais de saúde indígenas diante de tantas incertezas. “Quando foi decretada a pandemia, eu estava trabalhando em Roraima. Então, todo mundo estava perdido e ficamos preocupadas porque a nossa população é vulnerável. Foram feitas barreiras sanitárias dentro das comunidades em muitas aldeias. A gente viu que a gente não conseguiu implementar protocolos, a informação não chegava. Muitas fake news minimizaram a pandemia e o vírus. Foi um dos momentos mais complicados saber o que era a pandemia e como a gente, como população vulnerável e profissionais, poderíamos atuar”, afirma.

Outro momento de apreensão ocorreu no início da vacinação até o quadro atual. “Fico preocupada porque, de certa forma, muitos indígenas não-aldeados tiveram dificuldade vacinar. Eu me coloco nessa situação. Meu esposo e eu, somos indígenas, e estávamos em Brasília e não conseguimos nos vacinar logo porque não estávamos aldeados”, diz.

ATL 2021 – Em meio à pandemia Covid-19, os povos indígenas seguem mobilizados por direitos em agendas públicas em Brasília. A mais recente foi o ATL 2021, em agosto, que reuniu mais de 3 mil pessoas indígenas, demandando uma série de medidas sanitárias para evitar contágios em massa.

“Desde o início, nós pensamos em protocolo desde a saída das delegações das aldeias. Orientação sobre o uso de máscara, trazer o álcool em gel. Em delegações terrestre, com deslocamento por meio de ônibus, orientamos pela prática de vidros abertos. Orientamos para não compartilharem objetos pessoais, talheres, copos. Adotamos testagem em massa”, conta Giovana Mandulao, uma das coordenadoras voluntárias de saúde do ATL 2021.

Entre as parcerias, foram destacadas: Ambulatório de Saúde Indígena do HUB (Hospital Universitário de Brasília), Fiocruz e Abrasco. “Além de fazer acolhimento no HUB, contamos com rede de médicos e médicas populares. Nessa testagem, criamos critérios de prioridades, principalmente para sintomáticos, como síndrome gripal, tosse, coriza, febre, dor de cabeça e diarréia, quem teve contato com caso positivo de Covid-19, quem não tinha sido vacinado e quem tinha alguma comorbidade. Contamos somente com voluntários para fazer este trabalho”.

De acordo com Giovana, mais de 35 mil máscaras foram entregues em seis de ATL, além da distribuição de álcool em gel por voluntários e voluntárias da Bem Viver. Foram poucos registros de casos de contágio: “Casos positivos tiveram cuidado e isolamento”, conclui.

Fonte: http://www.onumulheres.org.br

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